s declarações do candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), general Hamilton Mourão, têm causado dor de cabeça na campanha do presidenciável e preocupado até os eleitores do capitão reformado do Exército. No último mês, Mourão fez uma série de comentários impopulares, como a ideia de criar uma nova Constituição sem participação popular e a visão de que filhos criados por mães e avós têm mais chances de entrar para o tráfico. O palco da última declaração polêmica foi o Rio Grande do Sul, quando, em uma palestra feita na quarta-feira, disse que o 13º salário e o adicional de férias são “jabuticabas brasileiras” e “uma mochila nas costas dos empresários”.
A fala repercutiu depois da publicação no Blog da Denise, do Correio. Bolsonaro desautorizou o vice no Twitter, ao declarar que o 13º salário está previsto na Constituição e é cláusula pétrea, que não pode ser mudado nem por emenda. Disse ainda que “criticá-lo, além de uma ofensa a quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição”. Pouco depois, Mourão teve todas as agendas públicas canceladas até o primeiro turno das votações, em 7 de outubro. Para Bolsonaro, o vice tocou em um tema desnecessário, que pode resultar na perda de um eleitorado importante, especialmente o de menor renda. Esse tipo de declaração é considerada mais perigosa a 9 dias das eleições.
A preocupação aumenta com a proximidade do pleito, mas as polêmicas não são novas nem inesperadas. As ideias do general, constantemente rebatidas pelo cabeça de chapa, são sintoma de uma campanha extremamente dividida entre as três principais figuras: Bolsonaro, Mourão e o economista Paulo Guedes. Os dois últimos se aproximaram mais desde que o deputado federal foi hospitalizado, no início do mês, após ter sido vítima de um atentado à faca durante um ato de campanha, em Juiz de Fora (MG).
“Mourão está muito mais em sintonia com Paulo Guedes do que com Bolsonaro nos últimos tempos, pelo que temos observado”, afirma o analista político Thiago Vidal, da Prospectiva Consultoria. Guedes também desagradou Bolsonaro. Na semana passada, por exemplo, defendeu a volta da CPMF, o imposto sobre transações financeiras, e também foi desautorizado pelo chefe. “Não é normal que os vices façam, na campanha, comentários que repercutem tanto”, acredita o analista político. “O problema, no caso do Bolsonaro, é que muitos assuntos não estão no programa de governo. As propostas dele não estão claras. Têm vários gargalos que são preenchidos por meio dessas declarações”, explica Vidal.
Um extra necessário
Especificamente sobre o 13º salário, analistas não recomendam a retirada. Além de haver, sim, políticas parecidas em outros países, como França e Portugal, mesmo se essas remunerações trabalhistas fossem eliminadas, não haveria criação de empregos. O professor de economia Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), avalia que as empresas já preveem a despesa nos balanços financeiros e que se saísse de cena seria convertida em aumentos salariais aos empregados prejudicados com os cortes.
Longe de ser uma barreira para a economia e para a geração de empregos, o valor é um complemento importante à renda dos trabalhadores, ressalta o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central. “Retirá-lo não terá impacto nenhum. Pelo contrário. É considerado positivo em certas ocasiões, por exemplo, para ajudar no pagamento de impostos no início do ano”, apontou. Na média, os salários no Brasil são muito menores do que nos países mais desenvolvidos, alguns dos quais não têm 13º. A remuneração mínima brasileira, de R$ 954, não dá condições suficientes para as famílias manterem um aluguel e custear a alimentação. O 13º se torna uma renda quase indispensável. “É uma discussão vencida. Tratar disso agora não agrega nada ao país”, apontou Freitas.
Outro ponto que causa estranhamento é o comentário partir de uma campanha liberal, que enxerga o 13º como algo ruim para o trabalhador, não para o empresário, segundo o economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado. O funcionário recebe o valor no fim do ano, sem correção, em vez de receber ao longo do ano. “O que o general falou para os empresários deu a entender que era um custo adicional para o empregador, e não é essa a crítica. Tanto faz dividir a pizza em 12 ou 13 pedaços”, explicou.
Adversários aproveitam para criticar
Os adversários de Bolsonaro na corrida eleitoral não perderam tempo para criticar o deputado. O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, afirmou que não pode ser a favor de enxergar o 13º como uma “jabuticaba brasileira”. “Não é possível achar que o trabalhador, que sua a camisa, trabalha, às vezes é explorado, não tenha direito nem ao 13º salário”, disse, após participar da abertura da 14ª Expocristã, no Centro de Exposições Anhembi, na capital paulista. No Twitter, o tucano foi ainda mais incisivo. Classificou a campanha de Bolsonaro de “lamentável” e lembrou que Mourão, antes de “atacar o 13º e as férias dos trabalhadores”, havia ofendido indígenas, negros e mulheres. A equipe de Alckmin fez questão de inserir críticas à declaração do general na campanha, ainda na tarde de ontem, no horário eleitoral. A fala de Mourão foi inserida no fim do programa. “Urgente”, anuncia a propaganda do PSDB, “campanha de Bolsonaro é contra o 13º salário. Seu vice declara que é contra o 13º”. “Prepare seu bolso. Ele não. Décimo terceiro, sim”, diz o locutor.
A comissão executiva nacional do PT publicou uma nota rechaçando a afirmação do general Hamilton Mourão. “É inacreditável que alguém se candidate a governar o país propondo massacrar ainda mais os trabalhadores”, diz o comunicado. O partido lembrou que o 13º é “uma conquista histórica da classe trabalhadora, assim como a gratificação de férias, incorporada democraticamente à Constituição”. Além disso, reforçou que é “com mais democracia, e não com menos direitos para os trabalhadores, que vamos tirar o Brasil da crise”.
O candidato João Goulart Filho (PPL), também no Twitter, lembrou do pai para criticar as declarações de Mourão. Ele afirmou que o 13º foi uma criação do governo Jango e apontou que o vice de Bolsonaro quer aumentar os impostos para os mais pobres, em referência ao comentário de Mourão a respeito de unificar o Imposto de Renda.
“O problema, no caso do Bolsonaro, é que muitos assuntos não estão no programa de governo. As propostas dele não estão claras. Têm vários gargalos que são preenchidos por meio dessas declarações”
Thiago Vidal, analista político
“Retirá-lo (o 13º salário) não terá impacto nenhum. Pelo contrário. É considerado positivo em certas ocasiões, por exemplo, para ajudar no pagamento de impostos no início do ano”
Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central