O Ministério Público afirmou que o médium João de Deus usava termos religiosos e fazia ameaças durante os abusos sexuais que cometia em Abadiânia. Ele foi denunciado nesta terça-feira (28) por estupro de vulnerável.
Esta é a nona denúncia contra o médium, que está internado em um hospital e sempre negou os crimes. Ele já se tornou réu nas outras oito. O advogado de João de Deus, Alberto Toron, disse que não vai se pronunciar sobre o caso porque ainda não teve acesso à denúncia.
Segundo a promotora de Justiça Ariane Patrícia Gonçalves, ele escolhia as vítimas de acordo com o estado de vulnerabilidade que apresentavam e, durante o atendimento individual, dizia que precisava tocar em determinadas partes do corpo da vítima como meio de “cura”.
“Ele dizia, por exemplo, que a pessoa tinha uma energia bloqueada e que precisava abrir seu chacra, como se fosse parte essencial do tratamento de cura. E quando ele percebia que a vítima tentava reagir, ele ameaçava dizendo que essa pessoa não era merecedora de cura, que ela jamais conseguiria engravidar ou que ela teria um câncer de ovário”, afirmou.
Ainda segundo a promotora, há relatos de vítimas que acreditam que têm problemas justamente devido às ameaças que o médium fez. “São pessoas de muita fé, que estavam em uma situação de grande vulnerabilidade e que viam nele um líder espiritual, uma última opção de cura”, completou.
Promotores do Ministério Público de Goiás — Foto: Lis Lopes/G1
Nesta denúncia constam o relato de seis vítimas, sendo duas do Paraná e as outras do Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Uma das mulheres é deficiente visual. Ela teria procurado o médium na esperança de conseguir enxergar.
Os promotores contaram que ela foi até a Casa Dom Inácio de Loyola, onde o médium fazia os atendimentos, em 2015, acompanhada de uma pessoa. No entanto, a vítima foi levada a uma sala privativa, sem a presença do acompanhante, onde teria sido abusada por João de Deus.
O médium foi preso em 16 de dezembro do ano passado. João de Deus foi internado no Instituto de Neurologia de Goiânia em 22 de março a pedido da defesa e com autorização da Justiça. O hospital disse que não pode passar informações sobre o estado de saúde a pedido do próprio paciente.
Para o promotor Augusto César Souza, João de Deus se aproveitou da deficiência da vítima para praticar os abusos sexuais. “Ele utilizou isso como uma forma de praticar o delito. Era uma pessoa com dificuldade de apresentar qualquer tipo de resistência”, afirmou.
Ele explicou ainda que novas denúncias contra o médium serão apresentadas nos próximos dias. Ele estima que ainda existem mais de 100 casos que deverão ser encaminhados à Justiça.
“Já foram levadas sete ações penais à Justiça relacionadas a crimes sexuais praticados por João Teixeira de Faria, em relação a mais de 80 vitimas. Ainda existem mais de 100 casos de vitimas que ainda deverão ser encaminhados à Justiça. É um numero interminável de vitimas”, comentou.
Promotor Augusto Cezar disse que João de Deus escolhia vítimas de acordo com vulnerabilidade — Foto: Reprodução/Globo
Um dos aspectos que chamou a atenção da força-tarefa realizada pelo MP foi a semelhança dos relatos das seis vítimas que estão na denúncia atual.
“São mulheres que não se conhecem nem tiveram contato, são de estados diferentes inclusive, mas com histórias muito parecidas”, disse a promotora Ariane Patrícia.
“As vítimas passaram pela mesma situação, pelo mesmo tipo de abuso, pelo mesmo abusador. Ele é um agressor sexual em série”, afirmou.
De acordo com os promotores, os casos envolvendo as seis vítimas aconteceram entre 2009 e 2015. A pena prevista para o crime de estupro de vulnerável vai de 8 a 15 anos. Caso condenado em relação às seis vítimas, João Teixeira de Faria pode ser condenado a no mínimo 48 anos de reclusão e no máximo 90.
Segundo MP, existem mais de 100 casos contra João de Deus que deverão ser encaminhados à Justiça — Foto: Reprodução/JN
Os promotores também comentaram sobre a decisão da juíza da comarca de Abadiânia, Rosângela Rodrigues Santos, que proibiu o Ministério Público de pedir avaliações médicas de João de Deus sem autorização judicial.
De acordo com Augusto César e Ariane Patrícia, antes da decisão judicial o MP-GO vinha acompanhando o estado de saúde do médium. Desde então, no entanto, as condições de saúde de João de Deus, segundo os promotores, é exclusivamente dos médicos do Instituto de Neurologia de Goiânia.
“Hoje, o Ministério Público não tem real noção do estado de saúde dele. Quem vai poder dizer se ele tem condição de ser interrogado ou não são os médicos particulares que o atendem”, afirmou Augusto César.
Ainda segundo o promotor, o MP-GO está tomando as providências cabíveis em relação a essa questão.
“É preciso ressaltar que não há até o momento nenhum diagnóstico oficial do estado de saúde dele, ou seja, qualquer desdobramento não está amparado por um laudo oficial. Importante lembrar que avaliações de pessoas presas não dependem de autorização judicial. Trata-se de um paciente que está preso, isto é, sob a custódia do Estado”, concluiu.
Réu em oito processos
O Ministério Público já havia denunciado o médium oito vezes. A Justiça aceitou cada uma das denúncias — o que torna João de Deus réu em todos os processos. No total, contanto a nona denúncia, são 32 vítimas.
- Quatro por crimes sexuais: dois deles já tiveram audiência realizada e os outros dois estão com audiência marcada;
- Um por crimes sexuais, corrupção de testemunha e coação: ainda não teve audiência;
- Um por crimes sexuais e falsidade ideológica: atualmente está em fase de citação (comunicação ao réu);
- Dois por posse ilegal de armas de fogo e munição: um já teve audiência realizada. O TJ não deu detalhes sobre o outro caso.
Além do médium, foram denunciados:
- Sandro Teixeira de Oliveira, filho do médium. Ele responde pelos crimes de corrupção de testemunha e coação no curso do processo.
- Ana Keyla Teixeira, esposa do médium. Ela foi denunciada por posse ilegal de armas de fogo e munições.
- Edna Ferreira Gomes, assessora de imprensa. Responde por crime de falsidade ideológica, por fornecer informações falsas em documento registrado em cartório para forjar a inocência do médium.
- João José Elias, advogado e amigo. Responde por crime de falsidade ideológica, por fornecer informações falsas em documento registrado em cartório para forjar a inocência do médium.
- Reginaldo Gomes do Nascimento, policial militar e colaborador da Casa Dom Inácio de Loyola. Responde por crime de falsidade ideológica, por fornecer informações falsas em documento registrado em cartório para forjar a inocência do médium.