Aprender a conviver com sentimentos faz parte da vida do ser humano, e as crianças desde cedo podem ser estimuladas a olhar o outro de uma forma diferente. Muitos não percebem, mas está dentro de casa a solução para alguns conflitos dos pequenos: o animal de estimação.
É com o cão, o gato, o passarinho, o hamster ou aquele mascote inusitado que as crianças podem compreender o ciclo da vida: a gestação, o nascimento, os primeiros passos, a doença e também a morte. Com um tempo de sobrevivência menor do que o do ser humano, os animais são fonte de aprendizado para as crianças e despertam nelas a responsabilidade, a sensibilidade e o respeito. Pediatra, Sérgio Crestana observa que, dessa relação, podem brotar sentimentos como a frustração, a alegria e também a autonomia.
? Ao lidar com os animais, a criança projeta os cuidados que os pais têm com ela. Ela vai trazer isso para o “teatro interno” dela, para a organização do psiquismo. É o que elas fazem com as bonecas e com os brinquedos, só que o animal vai reagir, e esse contato traz novas experiências ? explica o médico.
Essa relação vai permitir uma compreensão melhor do mundo. Veterinária e doutora em Psicologia, Ceres Berger Faraco observa que, com os animais, a criança consegue exercer um papel diferente. Ela se torna cuidadora, responsável. Vai expressar talentos que muitas vezes na família não é possível porque, nesse caso, é ela quem precisa de cuidado.
? Para a autoestima delas isso é muito importante, elas se sentem importantes. Se tu pedes para uma criança pequena trazer um potinho de água para o animal, ela vai fazer isso com uma seriedade, como se fosse uma joia rara ? exemplifica a veterinária.
Fazer com que as crianças compreendam o lugar e o papel de cada animal no mundo é a proposta da Escola Municipal Vila Aparecida, de Portão, no Vale do Sinos. De tempos em tempos, a direção e as professoras organizam um dia especial. Este ano, quem chegou na escola para a aula de Educação Ambiental foi mais que o cachorrinho e o gatinho: uma galinha, uma ovelha, um coelho e minhocas foram apresentados às crianças.
A receptividade delas foi tão grande que, depois do susto, abraços eram oferecidos à galinha. Beijos ao cachorrinho. Carinho à ovelha. Para demonstrar hospitalidade, elas chegavam a pular como o coelho, na tentativa de fazê-lo se sentir mais à vontade.
? Ela tem nome? Faz xixi? O que é que ela come? ? indagavam sem parar as crianças da pré-escola. Era a primeira vez que elas viam uma ovelha frente a frente.
A intimidade e o elo que se forma entre uma criança e o animal de estimação, às vezes, faz milagres. Reduzir ansiedade, trabalhar a autoconfiança, senso de responsabilidade, de afetividade. A veterinária Ceres destaca que os animais em casa ajudam os pequenos a desenvolver habilidades sociais. Implicam no reconhecimento do sentimento do outro. Os animais têm uma resposta clara para isso.
? Se eu sou hostil ou ameaçador, ele foge. Se eu sou delicado e carinhoso, ele se aproxima. O animal não disfarça, o que faz com que a criança tenha uma noção mais clara das consequências de seus atos. Desenvolve a empatia de entender o que o outro sente. Violência, agressão e goísmo nascem dessa incapacidade de reconhecer que o que eu faço é ruim para a outra pessoa ? destaca a veterinária.
Mais bichinhos, menos ansiedade
Pesquisas comprovam que o elo que se forma entre crianças e animais ajuda a reduzir a ansiedade. De acordo com alguns estudos, crianças que estão passando por momentos difíceis na família, como o divórcio dos pais, enfrentam o problema de uma forma menos traumatizante quando têm um mascote em casa.
Em contato com a vida animal, ela começa a perceber diferenças. Desenvolve a sociabilidade e o lado emocional.
? Isso mexe com o imaginário dela porque começa a entrar em contato com a diversidade, com as diferenças. Ela vai aprender com quem pode se relacionar. Com o cachorro, sim, com a galinha, não. Ela vai entrando dentro desse ciclo mágico da vida ? observa o pediatra Sérgio Crestana.
O pediatra explica que há mitos sobre a relação das crianças com os animais que devem ser derrubados. O exemplo clássico é o da criança asmática, que não estaria apta para brincar com gatos.
? Isso é uma bobagem. Estudos mostram que crianças quando entram em contato com pelos desenvolvem resistências que vão inclusive protegê-las de alergias no futuro. Algumas acabam desenvolvendo alergias porque não tiveram esse contato precoce ? polemiza o médico.
O alerta do especialista, no entanto, é claro: é necessário dosar responsabilidades. Uma criança não está pronta para assumir uma obrigação de cuidar de um animal, ela precisa de ajuda. A relação deve ser de prazer, não de compromisso. A veterinária Ceres Faraco acrescenta que, para ter o animal, os pequenos costumam elencar promessas, mas esse cuidado deve ser dos pais.
? Animal não é presente de Dia da Criança ou de Natal e não deve ser escolhido por impulso. O ideal é ter um planejamento para que toda a família esteja realmente consciente dessa responsabilidade, senão a experiência pode se transformar em um desastre ? adianta a especialista.
Crianças pequenas não podem assumir tamanha responsabilidade. A partir dos 10 anos, elas já estão mais aptas a cuidar de um animal. Antes disso, a tarefa deve ser dos pais.
Mais habilidades
Além de responsabilidade, autoestima e confiança, o contato com animais também desenvolve habilidades motoras e de fala das crianças. A presença do animal traz o universo de outra pessoa para dentro de casa, seja colocando a ração no potinho, dando banho ou segurando a coleira. Faz a criança compartilhar sensações e desenvolver hábitos saudáveis.
? Crianças aprendem com facilidade a imitação dos sons, o andar deles. Isso tudo é um estímulo muito grande no desenvolvimento motor e é um estímulo espontâneo. É uma experiência lúdica do desenvolvimento ? destaca Ceres.
A experiência de poder ver um animal de perto é um aprendizado que os especialistas chamam de educação humanitária. Faz com que as crianças tenham uma preocupação com as outras formas de vida como um todo. Seguros na Escola Municipal Vila Aparecida, de Portão, no Vale do Sinos, os pequenos queriam tocar e abraçar os animais, saber por que a minhoca era de um jeito e a galinha de outro.