Após a falência do grupo Viação Anapolina (Vian) em fevereiro deste ano, alguns credores pediram à Justiça que identifique um grupo econômico que possa pagar as dívidas de quase R$ 500 milhões deixadas para trás. O escritório de advocacia Palomba & Montero juntou no processo um pedido para que seja arrolado o Grupo Odilon Santos para quitar as dívidas, pelo menos dos credores representados pelo escritório, já que o empresário é sócio em algumas empresas ligadas ao Grupo Vian. Os bens dos sócios da companhia não chegam a 2% das dívidas.
O decreto de falência foi assinado pelo juiz Eduardo Walmory Sanches, da 2ª Vara Cível de Anápolis, e transitado em julgado em 21 de fevereiro deste ano. Atualmente, o processo está em fase de coleta de patrimônio e dívidas atualizadas da empresa falida. Os débitos com os governos federal e estadual beiram R$ 356 milhões. Os passivos das empresas ligadas ao grupo Odilon Santos — Transbrasiliana (R$ 500 milhões) e Viação Anapolina — somam quase R$ 1 bilhão em prejuízo aos cofres públicos. Uma reportagem sobre a recuperação judicial do Grupo Transbrasiliana foi publicada pelo Jornal Opção no domingo, 25.
A juíza de Direito Elaine Christina Alencastro Veiga, da 3ª Vara Cível de Anápolis, deferiu o pedido de extensão dos efeitos da falência ao Grupo Odilon Santos. No deferimento, a magistrada encaminhou ofício ao procurador do Distrito Federal, ao Ministério Público, ao procurador do Estado de Goiás e ao delegado de Polícia Federal de Anápolis para que tomem as providências cabíveis no processo. A PF decidirá se abre investigação para apurar crime falimentar da empresa.
O administrador judicial do caso, o advogado Waldomiro de Azevedo Ferreira, não pôde atender a reportagem por questões de saúde. A juíza Elaine Alencastro Veiga respondeu via mensagem de celular que não se manifestará sobre o assunto — exceto no processo — e o procurador da Fazenda Nacional Valter Ventura não recebeu a equipe na sede da PGFN em Goiânia.
O escritório de advocacia Palomba & Montero entrou com o pedido de pagamento de débitos trabalhistas em 15 de fevereiro deste ano. Na petição, os advogados argumentam que “os trabalhadores listados possuíam créditos habilitados nos autos anteriormente e posteriormente à assembleia geral de credores que aprovou o plano de recuperação judicial”.
Um sócio do escritório, o advogado Breno Palomba, falou o caso. “A gente antecipou o pedido de grupo econômico e o pagamento dos credores trabalhistas que representamos porque tínhamos receio de que ninguém recebesse nada. Agora, quem vai analisar se vai ter como comprovar o grupo econômico é a própria magistrada. Não fazemos juízo de valor.”
O último despacho da juíza Elaine Alencastro Veiga, de terça-feira, 27, pede à Junta Comercial de Goiás (Juceg) cópias de contratos sociais e alterações nos contratos de 42 empresas supostamente ligadas ao Grupo Odilon Santos. Entre elas estão empresas claramente vinculadas ao empresário: Rápido Marajó, Transbrasiliana, Sorveteria Creme Mel, Odilon Santos Administração Compartilhada, Odilon Santos Incorporação Imobiliária, Oscomin, Ostran e OWS Participações, Viação Araguarina e Shopping Cerrado.
A petição do escritório Palomba & Montero traz o seguinte argumento para provar a ligação de Odilon Santos com a empresa falida, após pesquisa nos sistemas de informação de juntas comerciais: “A executada Anapolina formou, ao longo do tempo, extensa rede de empresas, com sócios ocultos em comum, sempre de forma a favorecer o capital e se esquivar do pagamento de obrigações. A documentação ora anexada expõe claramente a formação de um grupo econômico. Percebe-se, por exemplo, que a empresa Viação Anapolina Ltda., situada na Alameda Odilon Santos, tem como sócio-administrador o sr. Francisco José dos Santos, o mesmo sócio-administrador da Vialuz Viação Luziânia, que tem como sócio o sr. Odilon Walter dos Santos, que também tem como sócia-administradora a sra. Valtrudes Pires de Almeida. Nesse mesmo sentido, é a empresa Viação Nova Ltda., que tem como sócios os srs. Odilon Walter dos Santos e Francisco José dos Santos e sócia-administradora a sra. Valtrudes Pires de Almeida”.
Blindagem de patrimônio pessoal
O advogado especialista em recuperação judicial Paulo Carnaúba, vice-presidente da Comissão de Estudos em Falências e Recuperação Judicial da Ordem dos Advogados de São Paulo, conta que ocorre blindagem de patrimônio pessoal em diversos casos e os indícios de fraudes passam impunemente porque as autoridades competentes não investigam. “A recuperação judicial precisa ser encarada com mais proximidade pelos credores e Ministério Público. Os credores não têm experiência nesses casos judiciais, por meio dos quais se abre a porta para manobras de bastidores que eles desconhecem e leva à blindagem de patrimônio pessoal dos donos na maioria dos casos.”
Para o advogado, as recuperações judiciais têm se transformado em falências devido aos planos malfeitos para tentar pagar dívidas impagáveis. “As denúncias precisam ser apuradas para o bem de todos e o empresário tem de agir de maneira correta com seus credores”, sugere Paulo Carnaúba. Ele enfatiza que os juízes não querem decretar falência para não gerar um problema social — como o desemprego.
As falências de modo geral, que deixaram grandes prejuízos ou não, podem ser reavaliadas pelo próprio tribunal onde tramitaram e o juiz pode solicitar a extensão e comprovação de grupo econômico para pagar débitos, mesmo caso do pedido da juíza Elaine Alencastro Veiga no caso Vian.
A relação de bens dos sócios da Viação Anapolina foi entregue ao Juízo no decorrer do processo, mas somadas as propriedades dos seis sócios chega-se a quase 2% dos débitos.
A sócia Valtrudes Pires de Almeida tem o maior patrimônio pessoal de todos — R$ 2,3 milhões — dividido em cotas societárias em três empresas: Viação Anapolina (R$ 759.968 mil), Viação Luziânia (R$ 277 mil) e Viação Nova (R$ 133 mil).
O diretor-presidente da Vian, Francisco José dos Santos, tem R$ 906 mil em bens pessoais. No grupo, ele possui cotas de R$ 655 mil e 7,14% de uma linha telefônica de R$ 19,31. A reportagem ligou para o número declarado por Francisco José dos Santos em sua relação de bens e a ligação foi direcionada para uma empresa que produz festas infantis em Anápolis. A proprietária desta empresa afirmou possuir o número fixo há 30 anos.
Francisco José dos Santos é sócio de Valtrudes Pires de Almeida em mais duas empresas — Viação Luziânia (R$ 151 mil) e Viação Nova (R$ 100 mil).
A lista segue com Valéria Terezinha dos Santos no quadro societário com cotas de R$ 151 mil, um veículo Ford Ecosport ano 2013 no valor de R$ 64 mil e outro veículo Volkswagen Gol, ano 2013 valendo R$ 29 mil. Os bens somados da sócia equivalem a R$ 245 mil.
Outra sócia, Osvanda Lourdes dos Santos Giovanucci, detém R$ 393 mil em cotas da Vian e R$ 79 mil em cotas da Viação Luziânia.
O economista Leônidas Elias Júnior é sócio apenas da Viação Anapolina (R$ 980 mil em cotas). Ele declarou um lote no Setor Coimbra avaliado em R$ 72 mil; um veículo Ford Ecosport, ano 2008, no valor de R$ 51 mil; um veículo Mitsubishi ASX, ano 2011, no valor de R$ 97 mil; cotas na empresa LR Consultoria e Assessoria no valor de R$ 2,500 e uma linha telefônica avaliada em 1.256,43. A reportagem ligou no número declarado, mas a operadora informa que o número não existe.
Brenner Santos Elias, administrador de empresas, é sócio apenas da Vian, com cotas de R$ 980 mil. Na declaração constam cinco títulos de capitalização na Caixa Econômica Federal somando R$ 100,00; mais quatro títulos de sócio remido de dois clubes e um no Country Clube de Caldas Novas e outro no Complexo Santa Maria, na mesma cidade; um lote na Esplanada dos Anicuns em Goiânia avaliado em R$ 30 mil; um apartamento no Residencial Ipanema, no Setor Bela Vista em Goiânia; outro apartamento no condomínio Village dos Alpes no valor de R$ 113 mil e um veículo Hyundai HB20, ano 2013, declarado por R$ 39.995,00.
A parte financeira do administrador judicial no processo desta recuperação foi manifestada no pedido de 30 de julho deste ano, assinado pelo advogado Waldomiro Ferreira.
O texto do advogado sustenta o seguinte: “Desta feita, o valor dos honorários a serem futuramente satisfeitos, relativamente à fase de recuperação judicial, é da ordem de R$ 525.342,42 e não R$ 406.535,90, como equivocadamente inserido no Quadro Geral de Credores Provisório apresentado. Quanto aos honorários alusivos à fase falimentar, fixados por ocasião do decreto que convolou a recuperação judicial em falência, estes serão apurados na medida em que liquidado o ativo da empresa, tudo com a devida e oportuna prestação de contas”.
A crise financeira da Viação Anapolina ocorria desde 2011 quando motoristas e cobradores realizaram várias paralisações devido a salários atrasados.
Um ex-gerente da filial de Valparaíso II concedeu uma entrevista, em 2010, a um veículo de comunicação especializado em transporte rodoviário. À época, o gerente informou que o grupo faturava em média R$ 149 mil por dia e os ônibus consumiam 10 mil litros de combustíveis diariamente. Os valores das passagens variavam entre R$ 2,95 a R$ 3,45.
Bens vendidos, pagamentos não executados
Alguns bens da Vian foram vendidos a fim de pagar créditos, a Justiça repassou o valor à empresa falida, mas, segundo o escritório, até o momento não houve pagamento do montante devido aos credores.
Durante o cumprimento do plano de recuperação, a empresa Remo Properties 1 arrematou três lotes da Vian no Parque Estrela Dalva em Goiânia, considerados os mais valiosos, no valor de R$ 8,2 milhões.
No dia 12 de novembro deste ano, o administrador judicial, Waldomiro de Azevedo Ferreira, respondeu pedido da juíza sobre a relação patrimonial da Vian que ainda não foi alienada. Ainda constam 20 terrenos em Luziânia, um terreno em Formosa, dois na Cidade Ocidental, dois em Anápolis, um no Novo Gama, um em Cristalina, uma área comercial em Catalão e um gerador de energia avaliado em R$ 35 mil, sem utilidade para a empresa falida.
O administrador judicial realizou um terceiro leilão autorizado pela Justiça em 30 de outubro de 2018 oferecendo dois terrenos em Cidade Ocidental e um terreno em Formosa, mas não houve compradores. Segundo o leiloeiro oficial, os valores das terras estavam acima do valor comum de mercado e sugeriu redução de 20% no valor mínimo a ser vendido, extensão do prazo de pagamento para 30 meses e 20% de entrada no ato da venda. No mesmo relatório, o administrador judicial solicitou autorização para vender os 25 imóveis restantes.
O segundo leilão ocorrido em 22 de junho deste ano rendeu R$ 3,2 milhões, devidamente depositados na conta da empresa no banco Bradesco.
O administrador-judicial informou sobre a retificação do seu crédito junto a massa e requereu a intimação dos representantes da Fazenda Pública para manifestarem sobre o pedido do reconhecimento de grupo econômico formulado por terceiros interessados anteriormente, bem como requereu autorização para alienação de bens.
Em mais uma tentativa de pagar débitos, o advogado Waldomiro Ferreira requereu autorização para venda de 35 veículos com redução do valor mínimo em face da manifestação do próprio leiloeiro oficial.
Dando sequência ao pedido, a juíza emitiu novo despacho ao Detran-Goiás solicitando a relação de veículos cadastrados nos CNPJs das empresas com a origem das eventuais restrições judiciais que existirem (informando o Juízo que as incluiu), e, no mesmo ato, para que proceda com a exclusão das restrições existentes, com o objetivo de liberar os eventuais gravames sobre os bens arrematados e que ainda irão a leilão pertencente à massa falida.
Falência à vista e possibilidade de prisão de sócios
No decorrer da recuperação judicial (2014-2018) o administrador judicial e o Ministério Público informaram a existência de fortes indícios de inchaço no quadro de funcionários da empresa, que passou de 251 para 339. O número de ônibus disponíveis para circular nos trechos concedidos reduziu de 480 para 101, ou seja, 75% menor do que a quantidade normal, indicando possível maquiagem nos dados das recuperandas, com valores de pagamentos e até funcionários-fantasmas. Se comprovado no processo a existência de tais elementos, os sócios da Vian são passíveis de responder criminalmente e até serem presos.
Parte do processo mostra que, após a homologação da recuperação judicial, as citadas ações implicaram em despesa mensal de R$ 577 mil além do previsto, que culminou na irrecuperabilidade da Viação Anapolina.
Ainda durante a recuperação, o antigo administrador judicial, o advogado Márcio Antonio Nunes, informou ao Juízo o atraso nos mapas contábeis da empresa na época da prestação de contas (2017) e pediu a convolação do processo em falência e depois renunciou ao cargo. Então o juiz nomeou o advogado Waldomiro de Azevedo Ferreira como novo administrador judicial.
Estudo mostra que apenas 1% das empresas se recupera
Um relatório escrito pelo advogado Paulo Carnaúba revela que apenas 1% das empresas que pediu recuperação judicial no Brasil saiu do processo recuperada. O advogado estudou milhares de processos entre 2005 e 2014 — quando finalizou seu relatório.
Nesse período, cerca de 4 mil empresas pediram recuperação judicial, mas apenas 45 delas voltaram a funcionar com regularidade. Nesses oito anos estudados, apenas 23% das empresas tiveram seus planos de recuperação aprovados pelos credores, 398 faliram e o restante continua nas varas judiciais sem deferimento final, ou seja, se continuam a operar ou se o juiz responsável decreta falência.
Paulo Carnaúba é sócio do escritório de advocacia Moraes Salles, que fez o estudo em parceria com a consultoria Corporate Consulting. A pesquisa não considera empresas que estavam em concordata e migraram para a recuperação judicial quando a lei foi criada.
“A maioria dos planos aprovados não é um projeto de reestruturação para tornar a empresa viável economicamente. São basicamente renegociações de dívidas”, afirma o advogado e vice-presidente da comissão de estudos em falência e recuperação judicial da OAB/Campinas.
O processo de recuperação judicial foi criado em 2005 para substituir a concordata e evitar a falência. As empresas ou grupo de empresas que recorrerem à lei ficam protegidos de cobranças de credores por 180 dias e deverão elaborar um plano para recuperar a saúde financeira da empresa. Esse plano precisa ser aprovado pela Assembleia Geral de Credores e executado com sucesso pela companhia para o processo chegar ao fim. A decisão de encerrar o processo e decretar falência é da Justiça.
Capítulo 11 e as maiores falências americanas
Existe um trecho do Código de Falências americano, o “Chapter 11” — em português traduz-se por “capítulo 11” —, que trata das recuperações judiciais dos Estados Unidos e permite que empresas no país com problemas financeiros possam se reorganizar sob as leis vigentes. A lei americana dá 18 meses para a empresa executar o plano. No Brasil, são dois anos.
O banco de investimentos MF Global Holdings protagonizou o maior caso de falência dos Estados Unidos em 2015. O banco faliu ao apostar nos títulos de países europeus. A instituição elevou sua exposição de US$ 1,5 bilhão para US$ 6,3 bilhões. Com o agravamento da crise europeia, os papéis não valiam mais nada. A MF Global mantinha ativos de US$ 40 bilhões e empregava 2.850 pessoas.
O grupo que controla a empresa de aviação American Airlines, o AMR Group, teve sua falência decretada em 2015. A empresa possuía US$ 25 bilhões em ativos e 78.250 funcionários. Após a falência do grupo foi revelado à imprensa americana que os custos trabalhistas são os mais pesados. No último balanço anual da companhia, os controladores do grupo mostraram dados de que os custos da American Airlines são 600 milhões de dólares maiores que os das concorrentes. O fundo de pensão da companhia beneficia 130.000 pessoas, entre funcionários ativos e aposentados. As dívidas do AMR Group eram de US$ 10 bilhões.