A influência que o Distrito Federal exerce sobre os municípios do Entorno vai além da oferta de serviços públicos como saúde e educação. A capital atrai eleitores de cidades vizinhas e mobiliza a atenção da região metropolitana a cada eleição. De novembro de 2016, após o pleito municipal, até junho último, 12,4 mil pessoas transferiram o título de eleitor de localidades goianas limítrofes do DF. No mesmo período, 1,3 mil cidadãos que votavam em cidades mineiras próximas também trocaram o domicílio eleitoral para o DF.
A corrida para a mudança se intensificou desde janeiro. Só este ano, 37.046 pessoas transferiram o título de outras unidades da Federação para a capital. Goiás é o campeão de migrações de documentos para o Distrito Federal. Ao todo, 9,9 mil eleitores procuraram a Justiça Eleitoral em 2018 com interesse de votar em Brasília. Em seguida, aparece Minas Gerais, com 4,1 mil eleitores, e Bahia, de onde saíram 3,8 mil novos eleitores do DF.
O município com maior migração de títulos para Brasília foi Valparaíso de Goiás. Das eleições municipais para cá, 1.878 pessoas deixaram de votar na cidade goiana para exercer a cidadania na capital federal. Na lista, também estão Águas Lindas de Goiás, de onde saíram 1.795 eleitores, e Novo Gama, que perdeu 1.749 títulos para o DF. Os dados são do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF).
Não há informações de quantos eleitores do DF moram no Entorno, pois muitos se mudam para a região metropolitana sem informar o TRE-DF e sem fazer a devida mudança de domicílio eleitoral. Outro fator frequente é a apresentação de comprovante de residência de parentes, usado por moradores do Entorno para conseguir transferir o título para alguma zona eleitoral de Brasília.
Divididos
Quem mora na região metropolitana e vota no DF acompanha com atenção a formação de chapas e a escolha dos pré-candidatos que vão concorrer em outubro. O aposentado Valdivino Bento dos Anjos, 60 anos, mora hoje em Valparaíso, mas viveu durante mais de três décadas no Distrito Federal. Ele se mudou em 2002, e, inicialmente, transferiu o título para Goiás. Mas, há quatro anos, optou por votar no DF e migrou o domicílio eleitoral novamente, apesar de ter residência fixa no Entorno. “Brasília me acolheu muito bem quando cheguei, nos anos 1970, e meus filhos ainda moram lá. Decidi votar no DF, apesar de morar em Valparaíso, porque gosto de participar um pouco do futuro da cidade”, comenta Valdivino.
O presidente da Associação Comercial e Industrial de Luziânia, Marcos Melo, lembra que, de quatro em quatro anos, o Entorno recebe uma romaria de políticos tanto do DF, tanto quanto de Goiás, em busca de votos. “Depois das eleições, todos somem. A população já está acostumada”, lamenta o líder comunitário. “No caso de Luziânia, cerca de 30 mil pessoas vão diariamente para o DF, para trabalhar ou estudar, e muitos preferem votar lá porque eles têm uma relação mais próxima com Brasília do que com Goiás”, acrescenta.
Marcos Melo aposta que, em 2018, o Entorno terá importância primordial para a eleição no DF. “Em época de eleição, todo mundo se preocupa com a nossa região, e este ano acho que o interesse pelo Entorno vai ser maior ainda. Espero que seja um ano de mudanças, e que os velhos caciques vão para casa descansar, deixando espaço para pessoas novas e com ideias renovadas”, finaliza o líder de Luziânia.
Desinteresse
O tapeceiro Matheus Silva, 30 anos, mora em Valparaíso, mas vota no Distrito Federal. “Vou anular todos os outros votos, não quero nem saber quem vai concorrer este ano. Político só vem aqui pedir voto, não ajuda em nada a população”, reclama. Matheus tem domicílio eleitoral em Samambaia, cidade onde morou até 2013, quando se mudou para o Entorno. “Não transferi meu título para Valparaíso porque, em Goiás, tem votação de dois em dois anos. Prefiro votar no Distrito Federal, já que só tem eleição a cada quatro anos. O pessoal daqui tem que enfrentar filas enormes para votar, e eu não faço questão nenhuma de ajudar a escolher esses políticos”, contou o jovem, desiludido com a política.
A comerciária Marizete Maria dos Santos, 60 anos, também está pessimista quanto à escolha dos futuros ocupantes de cargos públicos. Ela morou por uma década no Riacho Fundo I e se mudou recentemente para Valparaíso. O domicílio eleitoral, porém, continua no DF. A escolha dos candidatos, segundo ela, passa por indicações de pessoas conhecidas. “Não costumo acompanhar muito os candidatos nas eleições. Escolho em quem vou votar por indicação de pessoas da minha igreja e dos meus familiares. Ninguém faz nada pela cidade mesmo, quando aparece é só para pedir voto”, comenta Marizete.
O carpinteiro Marcelo Carvalho Oliveira, 38 anos, se mudou de Taguatinga para o Entorno há quatro anos, mas não quis alterar a documentação eleitoral. Fã do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-governador Joaquim Roriz, que por diferentes motivos devem estar longe das urnas, Marcelo diz que perdeu o encanto pela política. “Temos problemas graves na saúde, na educação, na segurança, mas ninguém faz nada”, reclama o morador de Valparaíso. Apesar de descrente com o cenário eleitoral, ele já começou a pesquisar sobre os políticos que serão candidatos este ano no Distrito Federal e promete escolher com cuidado.
Inchaço
O consultor político e professor da Universidade Católica de Brasília Creomar Souza lembra que, politicamente, o Entorno é uma área de grande relevância para a capital federal. “A partir dos anos 1990, passou a ser imprescindível para qualquer candidato majoritário fazer campanha no Entorno. A região cresceu muito, especialmente por conta da demanda por moradia e do inchaço do Distrito Federal, além do alto custo de vida de Brasília”, comenta o especialista.
Para Creomar, o grande número de brasilienses que moram nos municípios vizinhos explica as constantes transferências de domicílios eleitorais entre o DF e cidades da região metropolitana. O consultor político lembra ainda que, este ano, o voto dos moradores do Entorno deve ganhar ainda mais importância. “A disputa pelo governo está bem aberta e não temos nenhum candidato com votação claramente superior as dos outros. Com isso, o eleitorado do Entorno tende a ganhar ainda mais importância”, finaliza o professor. – CB