Chegada da reforma da Previdência e pacote anticrime surpreende deputados

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A atuação do governo na primeira semana de atividade do Congresso não fugiu das expectativas dos parlamentares. O Executivo mostrou foco na reforma da Previdência e, ao mesmo tempo, acenou para o eleitorado ao apresentar um pacote de leis anticrime. O que surpreendeu parte dos deputados foi o fato de que as duas propostas devem tramitar ao mesmo tempo.

Enquanto alguns acreditam que essa pode ser uma boa estratégia para aprovar a reforma, outros têm medo de que ela seja prejudicada, caso precise dividir as atenções com o projeto de segurança pública. No meio dos dois grupos, há um — bastante expressivo — que acha que não faz a menor diferença. “São 513 deputados. Não é possível que não possam discutir dois assuntos ao mesmo tempo”, resumiu o líder do Novo na Câmara, deputado Marcel Van Hattem (RS).

Para agradar aos eleitores, os parlamentares mais alinhados ao governo alegam, oficialmente, que as duas matérias têm o mesmo nível de importância. Mas todos sabem que a decisão de pautá-las cabe aos presidentes das Casas, e que os dois se comprometeram a priorizar a reforma da Previdência. Tanto Rodrigo Maia (DEM-RJ), que comanda os trabalhos na Câmara, quanto Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado, entendem que um tema denso e potencialmente impopular, como mudar regras de aposentadoria, precisa ser tocado no primeiro semestre, enquanto o presidente Jair Bolsonaro está no auge da popularidade.

O governo sinalizou, em várias ocasiões, que o foco é a reforma da Previdência. Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reforçou a confiança em Maia e garantiu que o deputado “vai dar a prioridade devida” ao projeto. “Estamos plenamente confiantes de que isso vai ser conduzido de maneira adequada no Congresso”, afirmou. Para o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a tendência é que o pacote proposto por Moro seja abandonado assim que começar a exigir esforços demais para tramitar. “Não acho que o governo vá forçar a barra”, disse.

Enquanto isso não acontece, alguns deputados acreditam que o projeto anticrime possa ajudar na missão de aprovar a reforma. Como a proposta sobre a segurança agrada a opinião pública, enviá-la agora mostraria engajamento do governo e poderia criar um clima positivo com o eleitorado, o que será essencial para mudar as regras da Previdência. “Não acho que uma matéria concorra com a outra. Inclusive, dependendo da rapidez com que o projeto anticrime tramitar, pode ajudar na aprovação da reforma”, considera o líder do PPS na Câmara, Daniel Coelho (PE). Para a oposição, o objetivo do governo é criar uma “cortina de fumaça” a fim de desviar de temas impopulares, como disse o deputado Glauber Braga (PSol-RJ).

Correligionária do presidente Jair Bolsonaro, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) acredita que não é viável abrir mão de nenhuma das duas pautas, mas que a agenda de costumes pode ser deixada para depois. Isso inclui o debate sobre o projeto Escola Sem Partido, entre outros temas. “É bom começar a discuti-los agora, nas comissões, mas não há nenhuma urgência em votá-los”, explicou. A pauta de costumes é considerada mais perigosa de tramitar ao mesmo tempo que a Previdência, pelo potencial de dividir a população e gerar brigas mais intensas.

Esforço anticrime

O projeto de lei anticrime, anunciado na última quarta-feira pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, tem forte apelo social e dá uma resposta a quem exige mais engajamento do governo na segurança pública. Isso não significa, porém, que não exigirá esforços para ser aprovado. Mesmo antes de chegar ao Congresso, o texto sofreu alterações, o que mostra que a discussão não será simples.

A dificuldade ficou evidente na primeira ida de Moro à Câmara, na última quarta-feira, quando ele foi questionado por parlamentares sobre diversos pontos do projeto. Após um encontro com prefeitos e depois de ser alvo de críticas do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), Moro precisou mudar alguns pontos do texto.

O principal foi o que trata dos crimes comuns que tenham ligação com atos eleitorais. A versão inicial previa que esses casos não deveriam tramitar na Justiça Eleitoral, mas sim na Justiça comum. O item esbarrou no entendimento do Supremo, de que alguns casos, como o de ações penais que correm na Lava-Jato, devem correr em âmbito eleitoral. Por isso, Moro decidiu retirar o assunto da proposta e disse que vai enviá-lo por projeto de lei complementar.

Além de exigir tempo para sanar dúvidas em relação ao conteúdo, o projeto deve perder espaço, caso precise concorrer com a reforma da Previdência. Se for assim, pode ser que o pacote anticrime não seja votado tão cedo. “Os temas podem coincidir, eventualmente, quando chegarem ao plenário. Se isso acontecer, o governo vai avaliar qual votação vai ocorrer primeiro e, provavelmente, a prioridade será dada à reforma da Previdência. A liderança do governo vai atuar para isso”, disse o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice.

Hamilton Mourão se reuniu com presidente da CUT, mas preferiu não avaliar propostas(foto: Valter Campanato/Agência Brasil )
Hamilton Mourão se reuniu com presidente da CUT, mas preferiu não avaliar propostas(foto: Valter Campanato/Agência Brasil )
Sindicatos prometem briga

A reforma da Previdência ainda nem foi encaminhada ao Congresso, mas o governo já foi alertado de que terá que lidar com a oposição feita pelas centrais sindicais. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, e o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, realizarão, em conjunto com outros representantes da classe trabalhadora, uma assembleia nacional, em 20 de fevereiro, para construir uma “alternativa de enfrentamento” à proposta. A ideia, explicam, é organizar os trabalhadores para a “resistência”, por entender que direitos serão retirados.

O enfrentamento à sugestão do governo foi revelado pessoalmente por Freitas ao vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB). Ontem, os dois se reuniram no Palácio do Planalto para discutir sobre a proposta e as soluções para a indústria metalúrgica. O general evitou, contudo, comentar os textos da reforma em análise, limitando-se a avaliar que o debate seja feito no Congresso.

O presidente da CUT se posiciona contrário à ideia do governo de mudar o atual modelo, de repartição para capitalização. Para Freitas, o sistema pretendido pelo governo atende apenas aos interesses dos bancos. “Se a proposta for essa, é ruim para os trabalhadores. Acaba com a seguridade e não garante a aposentadoria. Não temos concordância com isso. Se essa é a proposta, deve ser retirada e levar para a sociedade discutir. Não a toque de caixa, algo que muda a vida das pessoas completamente”, destacou.

A alteração de modelo para a capitalização favorece, no entendimento de Freitas, o “capital financeiro nacional e internacional”. “Tira direito dos trabalhadores e impede que tenha aposentadoria e benefícios de sistema. Mas há mais que isso. Impede que tenha benefícios de assistência social”, analisou. A avaliação é endossada por Torres. “Foi aplicado no Chile e está deixando idosos sem o recurso da aposentadoria. O grande deficit não é dos trabalhadores da ativa”, alertou.

 

A defesa do governo é de que o modelo garantirá “absoluta segurança” dos “filhos e netos” da população com uma “externalidade”, segundo avaliação do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. A capitalização é uma espécie de poupança que o trabalhador faz para garantir a aposentadoria no futuro, de forma que o dinheiro seja investido individualmente.

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